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A atividade de barbeiro, e as barbearias, existem há muito tempo e a sua história foi acompanhando quer a importância que cada época foi dando à aparência das pessoas e à forma de exprimirem o seu estatuto, quer a necessidade de cuidados de saúde que as populações precisavam. De facto, tempos houve em que eram os barbeiros que sangravam os doentes e arrancavam dentes, enquanto noutras épocas foram os responsáveis pelas cabeleiras, uma extensão dos cuidados do cabelo.

Agora, as barbearias estão na moda- até lhes chamam BarberShop, por influência americana- e voltaram os cortes clássicos e as barbas fartas, mas entre o aparecimento das máquinas de barbear e o costume dos cabelos compridos a atividade foi tendo altos e baixos, e embora muitas barbearias tenham fechado pelo caminho, outras resistem ainda, como a barbearia Rocha, na Praia da Vitória.
Local de passagem franca e constante, o Largo de Jesus é formado pelo cruzamento da Rua de Jesus com a Rua da Graça e aí se concentra grande parte do movimento urbano praiense, microambiente dentro do que é a circulação na Rua de Jesus. É aí que encontramos “Os Rochas” como é por todos, familiarmente, conhecida.

Os Rochas são, desde há muito, local de “romaria” semanal, ou mensal, da população masculina a necessitar de um corte de cabelo ou de fazer a barba e é, também, espaço de cavaqueira sobre as novidades de cá e de fora, e da troca de memórias que sempre teimam em se cruzar com as conversas. Mas a história da barbearia começa há muito tempo atrás, uma vez que a família Rocha é uma centenária dinastia de barbeiros cuja habilidade para alindar os praienses tem passado de geração em geração.

Mesmo antes de estarem instalados no Largo de Jesus já os Rochas manejavam tesouras e navalhas porque a história começou em meados do século XIX na freguesia da Fonte do Bastardo, onde José da Rocha Júnior, lavrador, era também barbeiro rural como gosta de sublinhar o neto, José Martins da Rocha que, com os seus 82 anos de idade, ainda está no ativo junto dos clientes. Além de rural, era também itinerante uma vez que trabalhava onde fosse preciso: em casa dos clientes ou na sua própria casa, na rua ou dentro de casa, e chegando, até, a usar a dispensa do Império.

Fruto da fraca monetarização da economia, naquela época era frequente os honorários serem pagos em género, e anualmente, de forma que na tabela de preços fazer a barba e cortar o cabelo uma vez por semana equivalia ao pagamento de um alqueire e meio de trigo, e caso a frequência aumentasse para uma barba duas vezes por semana o valor crescia para dois alqueires anuais. Caso os pais já fossem fregueses, o corte de cabelo das crianças custava meio alqueire, e para que não houvesse dúvidas, as distinções sociais ficavam devidamente assinaladas quando os mais abastados iam ao barbeiro às quartas-feiras, e os outros iam aos sábados.

As artes do ofício foram sendo transmitidas aos rapazes da família, de forma que José e os seus dois irmãos, Manuel e João, completaram a formação com um dos muitos barbeiros que existiam na Praia e para onde foram trabalhar ainda adolescentes, logo que acabada a escola. Depois ainda exerceram a sua profissão na Barbearia Melo, instalada onde hoje está a Barbearia Rocha, até que decidiram instalar-se por conta própria, acabada a tropa do irmão mais velho. Abrem portas na Rua Serpa Pinto em 1961, mas cinco anos passados mudam para o espaço da antiga Barbearia Melo onde permanecem até hoje, agora já com uma nova geração a empunhar as tesouras: Hernâni Rocha, sobrinho de José, e filho de João Rocha entretanto falecido.

O espaço já foi renovado algumas vezes – substituíram o piso, que era em soalho de madeira, por azulejos que também cresceram pelas paredes, e as portas e janelas foram alteradas para caixilharias em alumínio, mas as cadeiras ainda são as mesmas que inauguraram a barbearia na Rua Serpa Pinto e os gestos, então, esses são ancestrais e são o eco de um tempo muito antigo, mais antigo ainda que os próprios Rochas.

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