Este site utiliza cookies para permitir uma melhor experiência por parte do utilizador. Ao navegar no site estará a consentir a sua utilização. OK Ler mais
Na casa com os números n.º 70 a 72 da Rua da Sé já funcionaram muitas farmácias, todas com nomes diferentes consoante o apelido do respetivo dono, mas a primeira deve ter-se ali instalado no final do século XIX quando a pastelaria de João Teixeira Soares da Luz, que vivia no andar de cima e era também organista na Sé, deu lugar à Farmácia Monteiro. Isto porque João da Luz veio a casar com Joana Augusta Monteiro, filha de um antigo farmacêutico já falecido – Guilherme António de Lima Monteiro – que resolve retomar a atividade do pai nos baixos da casa do marido.

A filha de ambos, casando com um outro farmacêutico – Francisco de Paula Rebelo- e herdando-a, manteve a mesma atividade se bem que com um novo nome: a Farmácia Rebelo. Alguns anos depois, já tendo como sócio um dos antigos funcionários -Luís Borges Pimentel – retoma a designação de Farmácia Monteiro e em 1932, a imprensa esclarece que é fornecedora de especialidades farmacêuticas nacionais e estrangeiras, além de comercializar uma afamada produção própria – o tónico para a barba Monteiro.

Luís Pimentel acabará por adquirir o estabelecimento em 1920 passando então a designar-se Farmácia Pimentel e dessa forma iniciando uma duradoura dinastia familiar de farmacêuticos: em 1965 já era responsável o seu filho, Felton da Rosa Pimentel, e atualmente pertence à neta, Isa Pimentel.

Deve ter sido por essa data que o interior do estabelecimento ganhou nova vida e adquiriu um fantástico mesão/vitrina e uma original estantaria em madeira num estilo neogótico muito em voga em finais do século XIX e princípio do século XX, e que foi obra de Abraham Abohbot, multifacetado e autodidata artista local de origem judaica nascido em Lisboa em 1871, mas radicado na Terceira, de forma permanente, provavelmente, desde 1899.
Abohbot trabalhou durante algum tempo na Câmara Municipal e na Junta Geral, mas também foi, durante alguns anos, professor de pintura e desenho na Escola Industrial Madeira Pinto além de animar um atelier em sua casa onde realizava projetos por conta própria e por onde passaram muitos aspirantes a artistas. Deixou exemplos da sua mestria por toda a cidade de que são exemplo os painéis de vitrais instalados na escadaria da Câmara Municipal, ou o edifício da Ermida da Saúde, na Praça Velha.

Curiosamente, há semelhanças em vários desses projetos onde as formas alongadas e terminando em arcos ogivais marcam, muitas vezes, presença. Era, certamente, um artifício decorativo que lhe era querido e que repetia com gosto até nos trabalhos com um caráter mais efémero como os arcos do palanque que acolheu D. Carlos e D. Amélia na tourada de S. João de Deus, em 1901, também desenhados por ele. Se olharmos com atenção, não parece que estamos a ver uma repetição desses arcos nos pequeninos nichos das estantes apaineladas da Farmácia Pimentel?

As farmácias foram, no passado recente, acolhedores locais de tertúlia onde se juntavam amigos e conhecidos para discutir as novidades do dia, comentar as notícias do momento ou, simplesmente, dar dois dedos de conversa. Houve tertúlias famosas e duradouras onde se juntavam correligionários políticos, amantes de uma mesma arte como a tauromaquia ou a floricultura, ou, simplesmente, os vizinhos do pé da porta. Mas o que todas faziam era proporcionar momentos de aprendizagem e convívio entre gerações, oportunidades de troca de ideias e de debate e, muitas vezes, instantes de pura diversão a que não faltava uma certa aparência de confraternização igualitária em que participavam representantes dos vários grupos sociais; desde que fossem homens, claro.

Davam esses momentos origem a episódios divertidos e “ditos” espirituosos que se espalhavam pela cidade e eram um entretém para todos durante alguns dias. Conta Frederico Lopes que, por volta dos anos de 1930, um dos empregados da Farmácia Pimentel, José da Rocha, a quem chamavam o José Vapor, ouvinte das tertúlias e ambicionando ser fluente em várias línguas, provocava o riso a todos os que, dentro e fora da farmácia, ouviam as suas “traduções”.

Projeto Co-Financiado
Organização e Gestão do Projeto